segunda-feira, 2 de julho de 2012

Conto de mistério - Parte I

UM CRIME QUASE PERFEITO - Robert Arlt

            As alegações dos três irmãos da suicida foram checadas. Não tinham mentido. O mais velho, Juan, permanecera das cinco da tarde até a meia-noite (a senhora Stevens se suicidou entre sete e dez da noite) detido numa delegacia, por sua imprudente participação num acidente de trânsito. O segundo irmão, Esteban, estivera no povoado de Lister desde as seis da tarde daquele dia até as nove do seguinte. Quanto ao terceiro, doutor Pablo, ele não se afastara em nenhum momento do laboratório de análise de leite da Cia. Erpa, mais exatamente do setor de doseamento da gordura.
            O curioso é que, naquele dia, os três irmãos tinham almoçado com a suicida, comemorando seu aniverśario, e ela, por sua vez, em nenhum momento deixara entrever uma intenção funesta. Todos comeram alegremente e, às duas da tarde, os homens se retiraram.
            Suas declarações coincidiram em tudo com as da criada que, desde muitos anos trabalhava para a senhora Stevens. Essa mulher, que não dormia no emprego, às sete da noite foi para casa. A última ordem que recebeu foi a de dizer ao porteiro que trouxesse o jornal da tarde. Às sete e dez o porteiro entregou o jornal à senhora Stevens, e o que fez esta antes de matar-se pode ser presumido logicamente. Revisou os últimos lançamentos da contabilidade doméstica, pois a livreta estava na mesa da copa, com os gastos do dia sublinhados. Serviu-se de uísque com água  e nessa mistura deixou cair, aproximadamente, meio grama de cianureto de potássio. Pôs-se a ler o jornal, depois bebeu o veneno e, ao sentir que ia morrer, levantou-se, para logo tombar no chão atapetado. O jornal foi achado entre seus dedos contraídos.
            Tal foi a primeira hipótese, construída a partir de um conjunto de coisas pacificamente ordenadas no interior da residência, mas esse suicídio estava carregado de absurdos psicológicos e não queríamos aceitá-lo. No entanto, só a senhora Stevens podia ter posto o veneno no copo. O uísque da garrafa não continha veneno. A água misturada também era pura. O veneno, claro, podia estar no fundo ou nas paredes do copo, mas esse copo tinha sido retirado de uma prateleira onde havia uma dúzia de outros iguais: o eventual assassino não havia de saber qual copo a senhora Stevens escolheria. De resto, o laboratório da polícia nos informou que nenhum copo tinha veneno em suas paredes.
            A investigação não era fácil. As primeiras provas – provas mecânicas, como eu as chamava – sugeriam que a viúva morrera por suas próprias mãos, mas a evidência de que, ao ser surpreendida pela morte, estava distraída na leitura do jornal, tornava disparatada a ideia de suicídio.
            Essa era a situação quando fui desligado por meus superiores para continuar a investigação. A informação de nosso laboratório era categórica: havia veneno no copo que a senhora Stevens usara, mas a água e o uísque da garrafa eram inofensivos. O depoimento do porteiro era igualmente seguro: ninguém visitara a senhora Stevens depois que lhe entregara o jornal. Se após as diligências iniciais eu tivesse concluído o inquérito optando pelo suicídio, meus superiores nada teriam objetado. Porém, concluir o inquérito  nesses termos era  a confissão de um fracasso. A senhora Stevens tinha sido assassinada e havia certo indício: onde estava o envoltório do veneno? Por mais que revistássemos a casa, não encontramos a caixa, o envelope ou o frasco do tóxico. Aquilo era eloquente.

Glossário
Funesta: que causa a morte; fatal; mortal.
Cianureto de potássio: poderoso veneno.
Hipótese: suposição, conjetura, pela qual a imaginação antecipa  conhecimento, com o fim de explicar ou prever a possível realização de um fato.
Evidência: indicação; indício; sinal; traço.
Eloquente: aquele ou aquilo que é convincente; persuasivo.

1)      Reflita sobre o título do conto: Um crime quase perfeito. O que seria um crime quase perfeito?
Um crime quase perfeito é aquele cuja autoria não se consegue provar.

2)    Qual é o nome da vítima?
Senhora Stevens.
3)    De acordo com o que o narrador nos conta sobre o depoimento das testemunhas e sobre os vestígios encontrados na residência da vítima, reconstitua suas ações nos momentos anteriores à sua morte.
Era dia de seu aniversário. Ela almoçou com seus três irmãos.a empregada foi embora às 19h. às 19h10, o porteiro entregou-lhe o jornal. Ela revisou alguns itens da contabilidade doméstica. Depois começou a ler o jornal. Tomou uísque com água e veneno e pôs-se a ler até começar a sentir-se mal.

4)    Quais foram as últimas pessoas que viram a vítima antes do crime?
A criada e porteiro.

5)    Quem nos narra todo o caso? Reescreva um trecho que comprove sua resposta. Se o trecho selecionado deixar dúvidas, complemente sua resposta com uma explicação.
Quem nos conta um caso é um policial, detetive ou inspetor da polícia. “Essa era a situação quando fui designado por meus superiores para continuar a investigação. A informação de nosso laboratório era categórica”.

6)    Qual é a primeira hipótese apresentada para a morte da senhora Stevens? Por que o narrador crê que ela é disparatada?
Hipótese de suicídio. O narrador crê que essa hipótese é disparatada porque a Sra. Stevens não parecia ter provocado a própria morte e o envoltório do veneno não foi encontrado.

7)    “Envoltório” é tudo aquilo que serve de recipiente para guardar, conservar ou proteger alguma coisa. Quais são as outras três palavras presentes no texto que poderiam substituir o termo “envoltório”?
Caixa, envelope e frasco.

8)    A ausência de veneno nos outros copos do armário reforça a ideia de assassinato ou de suicídio?
De suicídio.

9)    Por que encontrar o envoltório original do veneno seria uma peça fundamental da investigação policial?
O envoltório do veneno poderia indicar quem foi a última pessoa a manuseá-lo, pelas impressões digitais, por exemplo.

10) Na sua opinião, o que aconteceu com a vítima? Por quê?  Resposta pessoal.

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